segunda-feira, 10 de março de 2014

MAIS DE 40 MIL CRIANÇAS AGUARDAM POR ADOÇÃO


Por Silvana do Monte Moreira
Encontramo-nos, desde 2012, enfrentando uma verdadeira cruzada para a desmoralização da adoção: adotantes são tratados como traficantes; adotantes devidamente habilitados são tratados como se não fossem; estudos técnicos são desconsiderados e desqualificados como provas; laços de sangue são endeusados; crianças são tratadas como objeto e não como sujeitos de direitos; a prioridade absoluta é desconsiderada; a celeridade processual tornou-se inexistente; crianças são esquecidas nas entidades de acolhimento institucional até atingirem a maior idade; dentre outros absurdos que acompanhamos pela mídia e pela atuação.
Enquanto isso no mundo real mais de 40 mil crianças e adolescentes continuam acolhidos, mais de 5 mil crianças e adolescentes se encontram aptos à adoção e mais de 20 mil habilitados aguardam a chance de propiciarem a uma ou mais crianças/adolescentes o direito à convivência familiar.
Entendemos que os objetivos de um país que se diz de todos é reduzir drasticamente a “cultura do abrigamento”, ou seja, reduzir o acolhimento institucional atacando a sua origem e estimulando o instituto da adoção.
Quantas campanhas de estimulo a adoção estão sendo veiculadas hoje na mídia? Quantas campanhas de conscientização quanto à adoção especial, tardia e/ou múltipla estão inseridas na TV, rádio, internet? A resposta é uma e única: nenhuma.
Obviamente que nos deparamos com publicidades de inúmeras obras em realização ou já realizadas, das inúmeras bolsas já concedidas, etc., etc., etc. Mas e o povo? O povo mesmo e não apenas os projetos para o povo. Não nos referimos ao “minha casa, minha vida”, mas ao “minha família, meu direito”. Onde está esse projeto? Porque não verificamos uma real campanha do governo federal, ou estaduais pela adoção? Porque a causa não recebe a atenção que necessita e merece?
Podemos, também, fazer um passeio pelas diversas religiões. Qual delas trata da adoção? Qual delas prega que crianças têm direito a viver em família e que a adoção é uma forma legal e legítima de exercício da parentalidade? Se estivermos errados, nos corrijam e nos informem, por favor, pois, é nosso interesse divulgar bons exemplos da causa.
Passamos pelo executivo, pelas igrejas, vamos ao legislativo. Foi criada a Frente Parlamentar Mista Intersetorial em Defesa das Políticas de Adoção e o que fez até agora? No que, de concreto, a Frente Parlamentar atuou? Lembrem-nos, por favor, pois, não conseguimos perceber uma forte atuação, nem resultados concretos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de alguns ajustes, nada absurdo, mas ajustes que já foram propostos e recusados, propostos e não apreciados e ainda propostos e desconsiderados. Afinal, o que pode ser mais importante para um país que suas crianças?
Ao judiciário caminhamos e aplaudimos, afinal o judiciário inova na inércia e na lacuna do legislativo no reconhecimento de direitos e novos direitos. Aplausos ao STJ, ao STF e a vários tribunais que, em segunda instância, corrigem injustiças; outros, contudo, cometem ou perpetuam injustiças e que, portanto, não merecem aplausos.
O que falta ao judiciário? Maior compreensão da causa da infância, melhor conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Passamos, então, à base de tudo: o estudo! O direito da infância e da juventude precisa ser matéria obrigatória do curso de direito inclusive com um período para os aspectos processuais. Não pode ser matéria eletiva, tem que ser obrigatória em função do princípio da PRIORIDADE ABSOLUTA. Não se pode permitir que o direito da infância continue a ser tratado como um direito menor, um direito “de menor”!
Passamos para as OABs que também não dispensam o devido valor à infância eis que inúmeras sequer trazem Comissões do Direito da Criança e do Adolescente, com algumas exceções inclusive com a OAB/SP que tem uma Comissão de Adoção.
Faculdades e entidades de classe precisam cuidar melhor do direito da infância.
Voltamos ao judiciário onde percebemos a falta de conhecimento do direito da criança, do direito ao afeto, da importância das equipes técnicas. Entendemos que a questão é maior e envolve competência. Causas ligadas à infância só podem ser dirigidas a magistrados da infância, saindo, portanto, da competência territorial e partindo para a competência por área de atuação. Dessa forma magistrados de vara única não teriam competência para tratar de guarda, adoção, destituição do poder familiar e, inclusive, atos infracionais.

São necessárias, ainda, câmaras especializadas em infância, que poderão, obviamente, acumular a competência de família. Acreditamos ser impossível analisar com critérios objetivos de consumidor à parentalidade. Trabalhar parentalidade, filiação, socioafetividade, requer dedicação exclusiva, conhecimentos específicos, VOCAÇÃO.
Alguns podem pensar: propostas loucas, esdrúxulas e impraticáveis. Quem sabe? Quando o país de todos se voltar para a sua base – a infância – com o CUIDADO necessário nada será impossível.
Recursos – sim, precisamos falar de recursos. Temos recursos para obras faraônicas, temos recursos para fazer um porto estratégico em Cuba. Um pequeno parêntese: estratégico para quem? Não vamos sair do foco. Recursos o país, os estados, os municípios, cada uma em sua competência, obviamente têm. Então porque até hoje as varas da infância não têm equipes técnicas em número suficiente para atender a demanda da população? Porque adotantes passam um ano para receberem as avaliações sociais e psicológicas? Porque um processo de habilitação fica parado quatro ou mais meses aguardando um assistente social disponível para realizar a visita domiciliar? Processos que envolvem crianças têm que ser céleres! A prioridade é absoluta! A visita domiciliar – VD – tem que ser realizada em até 90 dias do início do processo de adoção (principalmente) ou de habilitação; os estudos psicológicos têm que ser realizados em igual prazo. Nada superior a isso é razoável ou atende ao melhor interesse da criança.
E as ações de destituição do poder familiar? Em algumas comarcas sequer são propostas porque “será terrível para a criança ser filho de ninguém”. O pensamento pode até ser poético, mas contraria a lei e o melhor interesse da criança que se encontra alijada de sua inserção no CNA! Essa criança ou adolescente foi ouvido? Será que prefere ter pais – que já o abandonaram – na certidão de nascimento do que ter a possibilidade, frise-se possibilidade, de ter pais reais? Indispensável que crianças e adolescentes tenham o direito de se expressarem nos procedimentos a eles afetos.
Parece-nos tudo tão simples, tão claro que se torna absurdo não vermos o cumprimento de direitos tão básicos, tão transparentes. Descumpriu com obrigações do poder familiar (comprovadamente com direito à ampla defesa e ao contraditório), destituição do poder familiar; entregou um filho em adoção – entrega e não doação, por favor – passados mais de 6 (seis) meses, a entrega não pode ser desfeita – daí a importância na celeridade da realização dos estudos técnicos; desapareceu e volta depois de 2 anos buscando o filho – abandonos afetivo e material configurados, destituição do poder familiar mais que aplicável. Tudo verificado que o melhor interessa da criança/adolescente será ou está sendo atendido pela decisão.
Uma pergunta simples, para provocação: um magistrado tiraria de sua família natural uma criança amada, bem cuidada, atendida em seus direitos e no seu melhor interesse? A resposta é NÃO, assim toda em caixa alta. Então, porque os mesmos magistrados tiram as crianças que são amadas, bem cuidadas, atendidas em seus direitos e nos seus melhores interesses por suas famílias substitutas? Será que vale o experimento, a experiência onde se usará a criança como cobaia?
Estamos tratando de crianças inseridas em família substituta por 7 meses, 1 ano, 1 ano e meio, 2 e 3 anos e que foram arrancadas de seus únicos e verdadeiros pais ou estão vivendo a possibilidade de serem arrancadas de seus ninhos de amor sem dó ou piedade, mas principalmente sendo desconsideradas como sujeitos de direitos e coisificadas pelo próprio judiciário.
Vamos à mídia? Onde está a ética na abordagem da adoção pela mídia? Deparamo-nos com uma sequência de loucuras nas novelas. Passamos pelas recentes personagens Thereza Cristina, depois para Lívia Marine, Carminha, Rita, Jorginho, Barbara Elem e agora um rapaz que renega a mãe adotiva negra em “Laços de Família” e uma mulher que vai ficar com a filha da empregada através de uma negociação escusa com o genitor. Tem ainda o Nilson, chamado de Marinheiro e “informalmente” adotado no estilo “pegar para criar” em Além do Horizonte.  Porque só se ensina o errado? Porque não se mostra o correto?
Bem não vamos esquecer o que foi feito com as crianças da Bahia que sabe Deus como estão, pois, sumiram e delas não se tem o mínimo conhecimento. Por falar nelas, como estão? Alguém saberia? Porque o mesmo programa não mostra as crianças hoje, sem maquiagem, manipulação? Hoje, hoje mesmo e não daqui a uma semana lotadas de suplementos vitamínicos, médico de pele, dentista, etc.
Não nos cabe defender a quem quer que seja, não somos adotivistas nem biologistas, não execramos um, não endeusamos outros, lutamos e lutaremos sempre pelo direito que TODAS AS CRIANÇAS têm de viverem em família, seja ela natural ou por adoção, preferencialmente que todas sejam adotivas, pois, precisamos nos adotar mutuamente como pais, filhos, tios, avós, cônjuges, vez que a única e verdadeira família é a que tem por base o afeto.

SILVANA DO MONTE MOREIRA
Advogada, Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, Membro Fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/RJ, Membro da CEJAI – Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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