Dos
traumas e aprendizados que nós, os pais, passamos em relação à escola dos
nossos filhos, o fantasma da lição
de casa é um dos principais
para os que chegaram na faixa dos 8 anos. Tarefa, interpretação de texto,
contas e leitura obrigatória são o equivalente ao que passam os pais de
primeira viagem em relação a desfralde, chupeta, papinha e adaptação à primeira
professora.
O principal problema da lição de casa é exatamente esse: ser
lição para ser feita em casa. Problema para os pais, que piram. Problema para
as crianças, que não aproveitam o aprendizado. Problema pra escola, que
encontra resistência de pais e filhos em relação ao tema. O cenário não é muito
animador, já que de um lado temos pais cansados de um longo turno de trabalho,
impacientes e culpados ao mesmo tempo; e do outro lado, crianças às vezes
igualmente cansadas de uma superjornada de atividades, mas sempre excitadas
quando se trata de estar em casa, pra brincar e desfrutar a atenção dos pais. A
escola, muitas vezes por imposição do mercado, passa a oferecer “assistência” à
lição de casa como atividade extracurricular, e as crianças, entre resignadas e
aborrecidas, aumentam sua jornada na sala de aula para dar conta do recado.
Presenciei vários pais em reuniões escolares bradarem contra a dificuldade da lição de casa – quase
negociando com as professoras, “precisa mandar tarefa de português e de
matemática no mesmo dia?!”. E presenciei professoras pacientes, explicando aos
pais a importância desse instrumento pedagógico; já outras nem tanto, irrequietas com a
falta de noção de alguns pais que protestam pela lição de casa como se fossem
eles os punidos nessa história.
Pára tudo, que eu quero descer! Lição de casa não é pra pai
fazer. Mesmo! Se a escola, que tem a competência do ensino, orienta uma tarefa
para seu filho fazer em casa, é porque ela deve ser feita em casa pela criança!
Não pela calculadora, nem pelo computador, e muito menos pela mãe, pai, avó,
tia, babá ou quem seja o adulto responsável por essa criança no momento em que
deve se dedicar a fazer a lição de casa. Uma criança que tem a supervisão de um
adulto para esse tipo de atividade, de acordo com a orientação da escola, é
facilmente identificada pela professora: tem tarefas completas (e isso não quer
dizer certas, atenção!), letra caprichada, material em dia.
É cansativo? Oh, se é... Meu marido, que é um pai dedicado e bem
atencioso, sempre “pulou” essa parte da lição de casa. Ele fica impaciente
quando as crianças derrapam em um cálculo e não resiste, corrigindo a tarefa no
meio.
Bola
fora, porque aí a Bruna não entende onde errou e tem mais chance de cometer o
mesmo erro na sala de aula, quando não tiver o pai por perto pra alertá-la. De
novo, a questão é supervisionar, apoiar e até eventualmente ajudar com uma proposta de cálculo: “ué,
Bruna, mas você tirou um número menor de um número maior e o resultado deu um
número maior ainda... será que está certo mesmo” – a estratégia ele aprendeu em
uma daquelas reuniões em que ao invés de reclamar da lição de casa, um pai
resolveu perguntar à (paciente) professora, como poderia, de fato ajudar seus
filhos na resolução de contas matemáticas.
Não é resolvendo o problema por eles. Nem deixando que se atirem
em erros cansativos. Trata-se, de como reza a boa e velha sabedoria popular,
“ensiná-los a pescar”. Crianças estão aprendendo o tempo todo e precisam
aprender a estudar também. Em casa, a competência para isso é nossa. E
ensinamos, pra variar, com o nosso exemplo. Deixar que façam a lição de casa
com a tv ligada, comendo, ouvindo música não é o melhor caminho – ainda que
depois que cresçam eles possam descobrir, como meu filho pré-adolescente, que é
no meio da muvuca que consegue se concentrar e pode, então, fazer lição de casa
numa boa ... Até lá, tem chão. Paciência com a grafia incorreta, atenção às
pesquisas escolares e sempre a ponte de comunicação com a escola: desconfia
que os textos do livro de português estão desatualizados? Que tal chamar a
coordenadora da área e debater, sugerir nova bibliografia? Interagir com a
escola dos nossos filhos, além de um exercício de cidadania, é uma forma de
mostrar às crianças que estamos
com eles nesse barco, na alegria, e na tristeza, e nunca, nunca deixando que a
lição de casa nos separe.